Um lugar de tentativas...

domingo, 23 de dezembro de 2012

Conto de Natal


22:40 , véspera de Natal, e ali eu estava, em um ponto de ônibus no centro da cidade. A pedido de Leandro, eu acabara trabalhando até mais tarde. O gerente de enormes bochechas vermelhas tinha partido às 16 horas e me deixado com ordens expressas de fechar a loja só depois do último cliente. Eu bem que tentara sair mais cedo, mas eles continuavam chegando. Dezenas de almas sucumbindo ao consumismo sazonal. Irritados e metidos entre pacotes vistosos, estavam dispostos a tudo para conseguir seus presentes.  Assim, quando finalmente baixei as pesadas portas de ferro da “Encanto Calçados”, podia contabilizar 9 mil em vendas, 3 brigas em que tive que intervir, 2 espelhos quebrados na confusão e uma fome exasperante, que só seria vencida pela pizza congelada que me esperava em casa. Desde que tinha vindo da Bahia para Goiânia, havia me acostumado a passar desacompanhado pelas festividades de dezembro. Gostava da cidade vazia, solitariamente iluminada. A solidão não era de todo ruim. Silêncio ajuda a botar as idéias em ordem. Por isso, o que mais me aborrecia naquela noite não era perder a ceia de Natal e sim ter que pegar o último ônibus para a Vila Santana.  
As leis da física pareciam não ter validade naquele ponto de ônibus e o tempo corria ao seu próprio capricho. Estava lá há uma eternidade e já ia perdendo as esperanças. A rua deserta e melancólica só era perturbada pelo ocasional farol de algum carro que passava. Tudo isso era culpa do maldito Leandro! Um puxa-saco! Homem de mesquinharias, nunca seria mais do que pau-mandado, funcionário de sapataria. Condenado a uma vida naquele horrível uniforme azul, com as mãos ocupadas entre os calos de velhotas! “A senhora deseja experimentar?”, “Deixa que eu te ajudo a colocar”, “Ficou ótimo em você”. Como eu o odiava! Não passava de um verme sem ambição. Eu pelo menos tinha desejado ser alguém antes de terminar naquela loja. Tirava boas notas, queria ser engenheiro. Mas quando o pai morreu as coisas mudaram. Não agüentava ver a mãe chorando pelos cantos. Eu precisava sair de lá. Quando um amigo me ligou oferecendo emprego em Goiânia, não hesitei um segundo. Os planos de estudo ficariam pra depois.
Às 23:20 o som enérgico de um veículo de grande porte me fez levantar do banco sobressaltado, ejetado do sono involuntário em que tinha caído. Forcei os olhos em direção à luz esverdeada que surgia no horizonte. Mas que desapontamento! Era o “503- Parque da Luz”. Passou pelo ponto em alta velocidade. Pude avistar lá dentro  o motorista e um homem que sentava nos primeiros bancos. O homem parecia levemente desinteressado. Talvez, assim como eu, não tivesse uma ceia para ir. Eu começava a me preocupar de verdade. Se o ônibus não passasse, seria obrigado a dormir na rua, sujeito aos piores perigos e morto de fome. Os dez reais que eu tinha na carteira certamente não pagariam a corrida de um táxi até a periférica Rua das Mangueiras, onde eu alugava um barracão de Dona Olegária já há 4 anos. Só o que eu podia fazer era torcer para que o ônibus estivesse apenas sofrendo de um típico atraso festivo.
O cansaço extremo me fez adormecer mais uma vez. Fui acordado às 23:40 por uma voz grave e embriagada. Um homem, de shorts e chinelos, tentava me vender um relógio dourado de gosto duvidoso. Repetia insistentemente “Olhe aqui! Se não usa, ao menos leve para a sua namorada!” “Ajuda ai amigão”. Mais por medo da represália do que por interesse no produto, cedi. Entreguei a ele a cédula solitária de 10 reais que tinha comigo e o homem partiu satisfeito. Quando o relógio novo me mostrou meia-noite, começaram a despontar no céu fogos de artifício de todas as cores. As luzes assumiam magníficas formas, abriam-se em flores ou formavam charmosos círculos. Era um espetáculo fantástico que eu acompanhava atento. Junto aos fogos, vozes ecoavam dos prédios. Provavelmente de famílias trocando abraços e votos de Feliz Natal. Distraído com os fogos, quase não percebi quando um carro encostou ao meu lado. “Alisson?! O que está fazendo aqui ainda? Não foi embora?” “Entra no carro rapaz. Te levo em casa”. Era o Leandro. Tinha saído mais cedo da festa onde estava depois de brigar com a mulher, como fez questão de contar em entusiasmados detalhes.  Nunca tinha o visto falar tanto. No trabalho geralmente era reservado e obediente. Durante o trajeto falou da esposa Alice, do cachorro que estava nas últimas com alguma virose e até de Doutor Afonso, dono da loja,  homem que eu nunca conhecera e que Leandro descreveu como "a própria encarnação do Belzebu" . Quando finalmente chegamos à Rua das Mangueiras, perguntei se não queria entrar, dividir uma pizza e quem sabe uma cerveja. Ele aceitou.

Nenhum comentário:

Postar um comentário